BLOG – Disfunção cognitiva em cães
Por Claudia Inglez
A disfunção cognitiva canina (DCC) é uma condição neurodegenerativa comum de cães idosos com muitas semelhanças com a doença de Alzheimer (DA) em humanos no que se refere a características clínicas e patológicas.
A fisiopatologia da DCC e DA é multifatorial e complexa. Envolve a deposição da proteína beta-amilóide, a qual é neurotóxica e forma placas no parênquima cerebral, agravando a doença cerebrovascular (conhecida como angiopatia amilóide). Outras alterações celulares e bioquímicas contribuem para a evolução dessas duas enfermidades.
Embora seja uma afecção comum em cães idosos, ainda há alguma confusão por parte de tutores e Médicos Veterinários no que se refere ao reconhecimento da DC, o que dificulta ou atrasa o diagnóstico e também o tratamento. Muitas vezes interpreta-se que as alterações observadas nos pacientes são decorrentes do processo de envelhecimento normal, e que não há nada a se fazer para desacelerar ou amenizar a condição.
A intervenção terapêutica pode sim ajudar pacientes com DCC, principalmente se for instituída precocemente, prolongando e melhorando a qualidade de vida. Alguns estudos notaram que cães de 6 a 8 anos já mostraram sinais de declínio cognitivo que passavam desapercebidos pelos tutores e mesmo pelos Médicos Veterinários. Isso significa que algumas medidas preventivas contra a DCC podem ser tomadas nos cães já ao atingirem a meia idade.
As principais observações relatadas pelos tutores são ansiedade, confusão, alteração do ciclo sono/vigília (animais que trocam o dia pela noite) e diminuição da interação familiar. Esses sinais são percebidos ao longo de meses, sendo, portanto, de evolução lenta e progressiva. Outras alterações reportadas incluem desatenção, inatividade, caminhar sem propósito (ou compulsivamente), eliminação de fezes e urina em locais indevidos, dificuldade em transpor objetos, perder-se em ambientes previamente familiares, vocalização, não reconhecer pessoas e contactantes familiares.
Durante a avaliação clínica, cães com DC mostrarão sinais de disfunção prosencefálica, ou seja, apresentarão alteração de estado mental e de interação com o ambiente ao redor, andar em círculos (muitas vezes de modo compulsivo), e não responderão adequadamente a estímulos visuais e auditivos.
Alguns testes que avaliam aprendizado, atenção e memória foram desenvolvidos e são úteis em ambiente de pesquisa, mas não são práticos para serem utilizados na rotina clínica. Na maior parte dos casos, o diagnóstico de DCC é realizado com base na anamnese, manifestações clínicas e exclusão de causas que possam mimetizar a condição.
A única modalidade de imagem que pode trazer contribuição no diagnóstico da DCC é a ressonância magnética (RM) de crânio, embora muitos tutores se mostrem relutantes a realizá-la devido ao receio de anestesia geral no paciente idoso e custos.
As imagens de RM podem mostrar sinais de atrofia cerebral (caracterizados por aumento ventricular, espessamento e aprofundamento dos sulcos cerebrais). No entanto, esses achados também podem ser encontrados em pacientes idosos sem evidência de DCC. Outras alterações como a leucoaraiose, microhemorragias, e diminuição da espessura da adesão intertalâmica também são relatadas. Ainda mais relevante, a RM auxilia a descartar outras afecções cerebrais que possam ser responsáveis pelas manifestações clínicas do paciente. Importante salientar que o principal diagnóstico diferencial para cães idosos com alterações comportamentais é a neoplasia cerebral.
Os exames laboratoriais não estão alterados em cães com DCC, ao menos que existam comorbidades. Disfunção de órgãos (por exemplo, fígado, rins) e afecções que cursam com dor também podem levar a sinais clínicos que podem ser confundidos com comprometimento cognitivo. Como estamos falando de pacientes geriátricos, essa avaliação se faz essencial, inclusive para a adequada implementação de estratégias terapêuticas.
Deve-se ter ciência também de possíveis medicamentos que estejam sendo administrados ao paciente, pois alguns efeitos adversos podem ser interpretados erroneamente como sinais de DCC.
Existem várias possibilidades terapêuticas propostas, com níveis variados de evidência em eficácia tanto no desenvolvimento quanto na progressão da DCC. Pode-se citar:
– Dieta e suplementação: algumas opções comerciais e a suplementação com ácidos graxos ômega-3 e Triglicérides de cadeia média (TCM) apresentaram resultados promissores em estudos clínicos. Se as dietas caseiras forem justificadas, é melhor consultar um nutricionista veterinário para formular uma dieta adequadamente balanceada.
-Fármacos:
Selegilina: trata-se de um inibidor da monoamina oxidase B. Foi proposta para melhorar a função cognitiva e retardar a progressão da doença na maioria dos cães com DCC. Contudo, há considerável variabilidade no grau de resposta alcançada entre os pacientes, e deve-se ter especial cuidado com interações medicamentosas, as quais podem ser especialmente sérias. Apesar das aparentes respostas positivas, há evidências de que este fármaco não tenha um efeito significativo sobre a cognição nesses pacientes.
Os estudos de eficácia da selegilina são baseados em questionários respondidos por tutores e não em estudos entre grupos tratados e controle. A selegilina pode produzir alguma hiperatividade por aumentar os níveis cerebrais de catecolaminas, o que pode ser confundido pelos tutores como melhora da cognição. Este fármaco não é considerado um medicamento eficaz para a DA humana devido às respostas variáveis e à melhoria geral mínima da função cognitiva.
Apoaequorin: é uma proteína encontrada em água-viva. Embora o cálcio endógeno naturalmente diminua com a idade, esta proteína demonstrou melhorar a homeostase do cálcio e proteger os neurônios da degradação.
Um grande número de terapias complementares têm sido sugeridas para o tratamento do DCC, com objetivos primários de acalmar o paciente, reduzir a ansiedade e normalizar o ciclo sono-vigília. Essas terapias incluem melatonina, raiz de valeriana, feromônio de cães, ácido docosahexaenóico (um ácido graxo ômega 3) e vários antioxidantes e cofatores mitocondriais.
– Enriquecimento cognitivo:
Várias medidas como realizar atividades físicas regularmente, proporcionar diferentes interações sociais, introduzir novos brinquedos, truques e brincadeiras, demonstraram melhorar a função cognitiva em cães com CCD, além de prevenir ou retardar o declínio cognitivo em cães à medida que envelhecem. Tal processo ocorre devido à plasticidade neuronal, bem como a diminuição da perda neuronal do hipocampo. Ainda, a reabilitação realizada por profissionais treinados também auxiliam no enriquecimento recorrente.
Há evidências de eficácia para muitas formulações de ervas chinesas individuais ou seus constituintes, inclusive com elucidação dos mecanismos de ação na melhora da função cognitiva. Um profissional com conhecimento sobre tais substâncias pode realizar a devida prescrição para cada caso.
Assim, pode-se concluir que tanto Médicos Veterinários quanto tutores devem considerar as medidas preventivas contra o desenvolvimento da DDC já quando os cães alcançam a meia idade, impedindo que a condição só seja identificada em estágio demasiadamente avançado, limitando assim o sucesso das intervenções terapêuticas.
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