“Humanização dos pets é tendência que veio para ficar”, diz especialista da UFF
Por Livia Figueiredo; [email protected], Atualizado 17 de março de 2024
Professor e médico veterinário Flavio Moutinho ressalta os benefícios da convivência com os pets, mas alerta para riscos de dependência emocional
Mãe de cão, pai de gato, adoção de animais, acolhimento e amizade, amor. Essas expressões revelam o estabelecimento de relações emocionais cada vez mais fortes entre as pessoas e os animais domésticos.
A história do desaparecimento do cão Dido, mascote da turma da canoa polinésia da Boa Viagem, mobilizou Niterói e as redes sociais, levantando um debate acerca do enorme vazio que se instala na ausência de um pet ou “bichinho de estimação“. A comoção se revela nas campanhas de busca do cão e no envolvimento que só se dá por encerrada com o alcance do objetivo final: encontrar Dido, não importa a dificuldade da missão envolvida.
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Dido ficou desaparecido por duas semanas. Até lá um mutirão para achá-lo. Ligação, mensagens, textos compartilhados nas redes sociais. Rolou até viagem para tentar encontrá-lo. Dido foi encontrado, com vida e serelepe, em São Paulo, a 250 km da sua casa, localizada em Niterói.
O caso chamou a atenção para um debate que tem ganhado cada vez mais espaço na mesa do bar: a humanização dos pets. O processo de humanização vem se tornando cada vez mais comum na sociedade devido a uma soma de fatores, seja pelo advento da internet, onde falta o contato, e também pela opção de alguns por adiar a maternidade e manter relacionamentos à distância, seja pela falta de aptidão e vontade de se relacionar com outros humanos, enfim. As possibilidades são inúmeras.
Nesse contexto, “pais e mães de pets” surgem em meio a um fenômeno global no qual a sociedade reduz o número de filhos biológicos e tende a buscar pelos bichinhos que possam fazer parte da família.
Há uma linha de estudo que indica que o ato de humanizar um pet é intrínseco à sociedade, já que os animais de companhia estão em um contexto social dos humanos e, dessa forma, acompanham os tutores e adquirem hábitos urbanos, por exemplo.
No ano passado, cães e gatos de estimação foram incluídos no Censo Demográfico, realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Segundo o autor da emenda inserida na Lei 1739/22, o deputado federal Marcelo Queiroz, a medida vai ajudar na formulação de políticas públicas em defesa dos animais.
Uma consulta feita aos arquivos do Ministério da Saúde indicou que entre 2013 e 2021 nasceram 26 milhões de crianças no país. No mesmo período, o número de animais de estimação avançou em 18 milhões, se consideradas as estatísticas citadas. A motivação? Para fazer companhia às crianças, que têm cada vez menos irmãos, ou para tornar-se “filhos” de “pais de pets”.
Em entrevista ao A Seguir, o professor doutor em Medicina Veterinária da UFF, Flavio Moutinho, fala do espaço que os pets ocupam na vida dos seus responsáveis, a linha tênue, para alguns entre a dependência emocional e os benefícios para saúde mental, sinaliza os cuidados que devem ser levados em consideração. Ele também fala da tendência da adoção.
Segundo o professor, essa estreita relação ganhou até nome: animais de companhia.
– Essa presença pode se tornar muito importante. As famílias diminuíram de tamanho e muitos famílias adotam os animais como se fossem filhos. Para idosos, essa presença é muito importante, essa interação. Em determinadas situações relacionadas à saúde isso também é importante. Alguns hospitais já permitem a entrada controlada dos animais para visitar os responsáveis por eles.
Confira a entrevista abaixo:
A SEGUIR: NITERÓI: Como você avalia os cães abandonados nas ruas? Acha que as ONGs cumprem bem o papel ou as autoridades devem intervir de alguma forma?
Flavio Moutinho: É um problema mundial que acontece em todos os países do mundo, com diferenças, devido as suas particularidades. E apesar do importante papel que as ONGs têm no contexto desses animais, é fundamental a implementação de políticas públicas visando ao manejo dessa população para que ela não cresça indefinidamente.
Esses animais além de poderem muitas vezes se apresentar como um risco sanitário, eles sofrem maus-tratos por parte da população.
Os animais de estimação ocupam um espaço, para muitos, de filhos. Como enxerga isso?
Em diferentes sociedades, especialmente na brasileira, os cães e os gatos são tidos como membros da família, o que a gente chama de família multi-espécie. Eu vejo isso com bons olhos a princípio porque esses animais participam da vida social da família. Eles vão ao shopping, aos restaurantes, tem festa de aniversário.
Eu acho que limite para isso é o da antropomorfização, que significa o ato de dar características humanas a esses animais. Quando o indivíduo começa a fazer tatuagens, colocar características inerentes a espécie humana nesses animais, aí eu começo a ver um problema. Os animais devem exercer a sua função no sentido das características da própria espécie e não se tornarem seres humanos.
Há uma questão que é a dependência emocional. Muitas pessoas ficam extremamente apegadas e não há uma receita para isso. Como você avalia esse cuidado excessivo? Até que ponto é saudável?
Essa presença pode se tornar muito importante. As famílias diminuíram de tamanho e muitos famílias adotam os animais como se fossem filhos. Para idosos, essa presença é muito importante, essa interação. Em determinadas situações relacionadas à saúde isso também é importante. Alguns hospitais já permitem a entrada controlada dos animais para visitar os responsáveis por eles.
De certa maneira, os cães dão incentivo à atividade física, porque acaba levando o animal para passear, fazer as necessidades e acaba que a pessoa faz mais atividade física.
A gente tem os cães de companhia, de apoio as pessoas com deficiência visual, de apoio emocional. Há inúmeras possibilidades de situações benéficas para o ser humano.
No que tange o afetivo, o quão bem os cães e os gatos podem fazer bem aos seus responsáveis. Quais são os benefícios para a saúde mental?
No que diz respeito ao apego exacerbado aos animais, isso faz parte da espécie humana. Mas é claro, deve haver limite. A partir do momento que há um sofrimento para alguma das espécies envolvidas, isso não está sendo saudável, então deve ser tratado.
Muitas vezes os animais começam a demonstrar sinais de inquietação, estresse, começam a roer o rabo, lamber de maneira exagerada as mãos e os pés e começa a abrir uma ferida. Ou começam a destruir coisas dentro de casa. Apesar desse ser um comportamento considerado normal para filhote, isso pode ser um sinal de estresse, porque o animal que só tem contato com o dono de manhã e à noite ele pode sim sofrer de abandono durante o dia e ele vai demonstrar isso de diferentes maneiras.
Com que frequência é ideal levar ao veterinário?
É ideal no mínimo uma vez por ano que ele seja levado ao veterinário para uma avaliação clínica e a realização de exames, como um check up. Mas obviamente se o animal está demonstrando algum sinal, deve se buscar o veterinário porque pode agravar uma situação mais simples.
O animal que está amoado, deixa de comer, não faz xixi e coco na frequência normal ou que está apresentando sangue nas fezes, na urina, ou diarréia, é um sinal de que algo não está legal.
É verdade que os cães costumam querer mais atenção que os gatos ou as formas de demonstrar são diferentes?
Por se tratar de espécie diferente, há diferenças no comportamento do cão e do gato, como há diferenças na própria espécie. Têm cães que são mais chegados ao contato de pessoas, como um labrador ou um visla. Outras raças de cães que são mais na deles.
Já os gatos muitas das vezes gostam de se esconder. A gente fica procurando o gato pela casa e quando vai ver ele está dentro de um armário, de uma gaveta, de baixo da cama… Mas ao mesmo tempo eles interagem com os humanos, ficam se esfregando nas pernas, pedem carinho.
Você acha que a adoção é uma tendência que veio para ficar?
Do ponto de vista coletivo é mais interessante a adoção do que comprar. Mas a gente tem que ter cuidado sobre quem vai adotar esse animal, porque geralmente é uma relação de dez anos que exige tempo, dedicação e custo.
Há algum animal exótico que tenha se tornado tendência nas casas?
Sim. Os coelhos, porquinhos da índia, hamsters são comuns também. Há animais silvestres que podem ser criados, desde que oriundos de estabelecimentos licenciados para tal.
Eu não acho adequado criar animais silvestres em domicílio. Mesmo com tudo licenciado, e apesar de não ser ilegal, eu não acho que seja uma situação adequada. Eles devem ter uma vida livre.
*Flavio Moutinho é Doutor em Medicina Veterinária e Professor da UFF. É médico veterinário da Prefeitura de Niterói.