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Corrida pelos cavalos

4 de fevereiro de 2021

Defensores de animais e juristas travam complexa batalha para definir se cavalos e animais têm consciência

MARCOS CANDIDO

A estudante de direito Isabelle Dellê Volpe teve uma surpresa ao descobrir a aprovação de uma lei de 2018 em Santa Catarina. Do dia para a noite, os deputados haviam mudado de opinião sobre o sentimento dos cavalos. Para eles, os equinos não eram mais considerados seres que “sentem dor e angústia”, ou seja, não seriam mais sencientes e perderiam o status de “sujeito de direito” em todo o estado catarinense.

A estudante buscou uma justificativa para a mudança, mas deu com a cara na parede. A emenda não dá detalhes. “Não tinha como explicar a retirada”, diz em entrevista a Ecoa. Em 2018, a espécie foi incluída no código de proteção animal que já existia desde 2003, mas os parlamentares voltaram atrás na atualização menos de um ano depois. Em Santa Catarina, apenas gatos e cachorros usufruem oficialmente de direitos, têm dor, angústia e senciência (a capacidade de ter consciência sobre as própria sensações e sentimentos).

A exclusão dos cavalos passou despercebida até 2020, quando Isabelle escreveu um artigo sobre o tema durante uma aula. A discussão, porém, não se restringiu à universidade. O debate ganhou contorno filosófico, jurídico, político e científico em torno do que é a consciência e sobre o relacionamento mantido entre seres humanos e animais. Apesar disso, o mistério sobre a exclusão dos cavalos continuava. “Não tinha como saber”, disse.

Escolha seria “especista”

No artigo divulgado em uma publicação jurídica, a universitária de direito na Universidade Federal do Paraná (UFPR) defende que a retirada dos cavalos é inconstitucional e quebra o princípio jurídico da “vedação do retrocesso”. Ou seja, a Constituição Federal garante que um direito não pode ser revisto de uma hora para outra.

Isabelle argumenta que a lei é “especista”. Quer dizer, delimita o número de espécies “escolhidas” como sencientes a partir da relação do ser humano com determinados bichos, não de acordo com a ciência. É o mesmo raciocínio usado para proteger animais domésticos mais tradicionais. “A defesa de gatos e cachorros como sujeitos de direito é justificada por eles serem sencientes. Então, não há lógica em excluir animais que também são sencientes”, diz.

A estudante também aponta um suposto interesse de associações de criadores, corredores de cavalo e de exportadores de carne de cavalo nos portos de Santa Catarina. Em 2017, 115 mil dólares de carne de cavalo teriam saído do porto catarinense de São Francisco do Sul, uma participação menor em comparação a Santos e Salvador. Os maiores clientes são a Bélgica, Rússia e países na Ásia.

Em novembro de 2020, Isabelle foi premiada pelo artigo em uma conferência mundial sobre bioética e direitos dos animais. O reconhecimento é parte de um longo bate-cabeça entre juristas, cientistas e políticos sobre a proteção animal.

Humanos não são os únicos “sujeitos de direito” perante a Constituição. Biomas naturais, animais e até mesmo espólios e propriedades têm direitos para protegê-los. Além do Congresso, os estados têm autonomia para criar códigos sobre como tratar cada animal.

Há estudiosos e ativistas que defendem que as leis deste tipo, na verdade, oficializam a exploração. Para eles, uma solução para acabar com a violência contra a fauna seria o abolicionismo animal. Na forma mais radical do conceito, seria uma separação integral entre o nosso estilo de vida e os dos animais, inclusive os domésticos.

Segundo o professor Vicente de Paula Ataide Junior, coordenador do grupo de Direito Animal da Universidade do Paraná (UFPR), a Constituição Brasileira e leis estaduais são mais moderadas e praticam o bem-estarismo. Nesta concepção, as leis reconhecem que é impossível evitar o contato e cria leis para protegê-los de maus tratos, impõe métodos para abate e tentam criar uma relação equilibrada, de bem-estar com os animais.

Para o especialista, toda a fauna deveria ter direitos individuais, como acontece em alguns estados brasileiros. Na Paraíba, há um código animal alvo de pecuaristas que defende que todos os animais devem ter tratamento digno, respeito às existências física e psíquica, abrigo, alimentação e tratamento veterinário. Há também um trecho específico para corridas de cavalo (turfe), saltos (hipismo) e equoterapia. A lei de Santa Catarina, porém, não há um trecho dedicado às atividades equinas.

O professor defende a criação de uma lei como a paraibana a nível nacional para ver os animais não só como mantenedores de um meio ambiente equilibrado, mas como seres individuais com consciência, direito à vida e à proteção. É um debate que se estende pela história humana.

Fonte: Cavalos têm sentimentos? Batalha legislativa quer definir que sim (uol.com.br)

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