BLOG – Voce sabe manejar todos os desafios encontrados na Dilatação volvo gástrica (DVG)?
A dilatação volvo gástrica (DVG), comumente conhecida como torção gástrica é uma condição potencialmente fatal, em que o estômago se expande rapidamente com gás, alimentos e/ou fluidos (dilatação gástrica) e torce sobre si mesmo (volvo), retendo o conteúdo do estômago e causando alterações hemodinâmicas importantes.
A condição ocorre mais comumente em raças de cães com tórax mais profundo, como Pastores-alemães, Dogues alemães e Dobermans, São Bernardos, Weimaraners, Setters Irlandeses, Setters Gordon e Bloodhounds, mas há muitos relatos da ocorrência em cães de raças médias e até pequenas. O Dogue Alemão, em alguns estudos apresenta uma incidência de 42%. Entre as raças menores, os dachshunds parecem estar em maior risco.
As causas ainda que estudadas há décadas, não são totalmente compreendidas, mas sabemos que há vários fatores de risco predisponentes relacionados ao tamanho do cão, a raça, a conformação do tórax (profundo e estreito), a predisposição genética, idade (Cães < 5 anos), velocidade de alimentação e temperamento mais ansioso ou medroso. Cães machos, castrados ou não, correm um risco ligeiramente maior de desenvolver GDV do que as fêmeas.
Presume-se que a dilatação gástrica seja o resultado da capacidade prejudicada do animal de esvaziar gás, principalmente ar engolido do ambiente, do estômago e eructar quando o gás em excesso se acumula.
Os hábitos alimentares também estão relacionados ao aparecimento do quadro, como:
- Comer rapidamente grandes quantidades de comida (especialmente quando alimentados somente uma vez ao dia)
- Comer em uma tigela de comida elevada
- Alimentar com alimentos seco, s com gordura listada como um dos primeiros 4 ingredientes
- Alimentar com alimentos que contenham ácido cítrico e umedecê-los antes do consumo
- Alimentar com alimentos com ossos listado como um dos primeiros 4 ingredientes.
A além do intenso desconforto, a DILATAÇÃO VOLVO GÁSTRICA (DVG) causa distúrbios na homeostase que pioram progressivamente quando a condição não é tratada a tempo.
A necrose gástrica é uma das complicações que esta ligada ao tempo prolongado de tratamento e está associada a um pior prognóstico.
Sabemos que os pacientes que chegam a clinica com quadro de DVG devem ser tratados inicialmente para choque, seguido pelo tratamento definitivo (descompressão e desrotação do estômago) através da laparotomia, para permitir a inspeção do tecido gástrico e a realização da gastropexia para reduzir o risco de recorrência.
Fisiopatologia
A distensão gástrica causa obstrução funcional e mecânica, e o alívio da distensão por meio da eructação ou da passagem do conteúdo gástrico normalmente pelo piloro é prejudicado.
Acredita-se que a frouxidão dos ligamentos hepatogástrico e hepatoduodenal permite mobilidade gástrica suficiente para predispor à rotação horária do estômago cheio de gás
Os vasos gástricos curtos podem ficar torcidos, trombosados ou avulsionados e se ocorrer avulsão, teremos sangramento no abdômen.
A distensão gástrica resulta em diminuição do fluxo sanguíneo para a parede do estômago e comprometimento do fluxo sanguíneo através da veia cava caudal e veia porta.
Isso pode resultar em diminuição do débito cardíaco, hipóxia miocárdica, choque hipovolêmico e hipotensão, levando à perfusão inadequada do tecido para todos os órgãos, incluindo o coração, pâncreas, rim, mucosa estomacal e intestino delgado. As arritmias cardíacas podem resultar de necrose miocárdica secundária a isquemia, fatores neuro-humorais ou danos cardíacos tóxicos (endotoxina).
Todas essas alterações cardíacas e hipotensivas também podem levar a uma taxa aumentada de liberação de endotoxinas por bactérias intestinais.
Bactérias entéricas e toxinas se movem através da barreira da mucosa intestinal e entram no sistema circulatório. A oclusão simultânea da veia porta diminui a capacidade do sistema reticuloendotelial de lidar com essas toxinas e bactérias absorvidas (translocadas). A hipoventilação pode resultar do comprometimento do movimento diafragmático. O baço pode ficar congestionado, trombosado e necrótico secundariamente à torção.
As evidências sugerem que a lesão por reperfusão é responsável pelas altas taxas de mortalidade associadas à DVG.
Diagnóstico
O diagnóstico presuntivo pode ser feito com base nos sinais clínicos, no histórico e nos achados de exame físico.
A radiografia abdominal pode ajudar a confirmar o diagnóstico e excluir dilatação gástrica isolada ou um inchaço alimentar.
As posições lateral direita, lateral esquerda e dorsoventral são adequadas para diagnóstico por meio de radiografias. O posicionamento dorsoventral é preferível ao ventrodorsal para minimizar o estresse e diminuir o risco de pneumonia por aspiração por inversão.
A aparência clássica de dupla bolha da DVG na vista lateral direita representa um lúmen gástrico distendido por gás com o piloro localizado crânio-dorsalmente ao fundo.
O piloro e o fundo são divididos por uma faixa opaca de tecido mole que compartimenta o gás no fundo e no piloro, formando 2 formatos de bolhas.
Opacidades gasosas focais nas paredes gástricas podem sugerir necrose, e gás livre no abdômen pode indicar perfuração gástrica.
No início do curso da doença, os resultados do hemograma podem revelar apenas um leucograma de estresse.
Mas podem ocorrer hemoconcentração, trombocitopenia e leucopenia à medida que a DVG progride, indicando o início de septicemia e coagulação intravascular disseminada.
Azotemia pré-renal, elevações nas enzimas hepáticas devido à hipóxia tecidual e distúrbios eletrolíticos leves a moderados podem ser observados. A DVG causa distúrbios ácido-base mistos, e o pH pode ser elevado, diminuído ou normal.
Vários estudos demonstram uma relação entre os valores iniciais de lactato plasmático e morbidade/mortalidade, no entanto, há considerável variabilidade e sobreposição entre sobreviventes e não sobreviventes, tornando o lactato inicial um indicador de prognóstico ruim.
A resposta do lactato aos esforços de estabilização deve, em vez disso, ser usada para ajudar a orientar a fluido terapia agressiva e o prognóstico.
Um declínio no lactato plasmático de >40% a 50% após a terapia agressiva com fluidos sugere uma chance significativamente maior de sobrevivência, independentemente do valor inicial.
A eletrocardiografia deve ser realizada para avaliar se há arritmias ventriculares secundárias à isquemia miocárdica, distúrbios eletrolíticos e lesão de reperfusão.
Tratamento
1º passo – Estabilização do paciente
Fluidoterapia agressiva e descompressão gástrica são necessárias para preparar o paciente para a anestesia ideal e laparotomia.
Um cateter IV de grande calibre deve ser colocado em uma ou ambas as veias cefálicas, pois o retorno venoso da metade caudal do corpo está comprometido.
Um opioide deve ser administrado para aliviar o desconforto, e um cristaloide balanceado (dose de choque, 90 mL/kg em incrementos de ¼ do volume até que os parâmetros vitais melhorem) deve ser fornecido rapidamente.
Se o paciente permanecer hipotenso, a terapia vasopressora pode ser administrada.
A descompressão gástrica é essencial para permitir a restauração da perfusão normal. A descompressão é realizada por meio de intubação orogástrica ou punção gástrica, enquanto a terapia de fluidos de choque está em andamento.
A intubação orogástrica é realizada com o paciente sob sedação e com um tubo de policloreto de vinila (PVC) lubrificado, previamente medido da ponta do nariz ao processo xifoide.
O uso de uma bomba de drenagem durante a lavagem gástrica pode ser útil para materiais mais espessos.
O tubo deve ser dobrado durante a remoção para evitar que o material saia do tubo e entre nas vias aéreas conforme o tubo é removido.
A lavagem gástrica em um paciente sedado sem uma via aérea protegida pode aumentar o risco de pneumonia por aspiração, especialmente ao usar uma bomba de drenagem. A intubação endotraqueal com um tubo endotraqueal com manguito pode proteger ainda mais as vias aéreas da aspiração durante a descompressão orogástrica.
A punção gástrica (ou gastrocentese) pode ser realizada usando um cateter IV de calibre 14G colocado percutaneamente na área onde o som timpânico do gás é mais audível, normalmente no abdômen lateral direito, após tricotomia e desinfecção cutânea.
Veja vídeo abaixo:
https://vetsapiens.com/galeria-audiovisual/puncao-gastrica-em-cao/
O cateter deve ser mantido no lugar até que o som timpânico da saída do ar cesse e os parâmetros vitais melhorem.
A punção gástrica e a intubação orogástrica são bem sucedidas para a descompressão gástrica em 86% e 76% dos casos, respectivamente.
Muitos autores preferem a punção gástrica em pacientes que estão na fluido terapia e a intubação orogástrica durante cirurgia.
2º passo – Cirurgia
Uma vez estabilizado, o paciente pode ser anestesiado e preparado para cirurgia. Antibióticos perioperatórios devem ser administrados 30 minutos antes da cirurgia e a cada 90 minutos durante a cirurgia. A menos que haja evidências de infecção ou septicemia, os antibióticos não precisam ser continuados no pós-operatório.
Uma abordagem da linha média ventral ao abdômen pode ser feita do xifoide ao terço caudal do abdômen. Na entrada, se o omento estiver coberto sobre o estômago, o volvo é confirmado.
O cirurgião deve ficar do lado direito do paciente e reposicionar o estômago. O piloro pode ser agarrado com uma mão, puxado ventralmente (para cima) e retornado à sua localização habitual do lado direito. A mão oposta pode empurrar o fundo distendido dorsalmente (para baixo) e para a esquerda do paciente. Em casos complexos, a passagem de um tubo orogástrico para evacuar ainda mais o estômago pode ajudar a facilitar a desrotação.
Após o reposicionamento gástrico, o restante da laparotomia exploratória pode ser concluído enquanto a perfusão gástrica melhora. O estômago e o baço podem então ser avaliados quanto à evidência de necrose.
Possíveis Complicações
Se houver evidencia de necrose gástrica (que geralmente aparece como tecido preto ou branco, sem peristaltismo) esta área deve ser ressecada.
A colocação de um tubo orogástrico antes do fechamento gástrico pode evitar o estreitamento acidental do esôfago inferior e pode garantir a preservação luminal. Suturas de permanência podem ser colocadas no tecido gástrico saudável ao redor da área de necrose para minimizar o derramamento durante a ressecção e melhorar o controle do tecido durante o fechamento.
A gastropexia cria uma adesão permanente entre o antro e a parede corporal e reduz drasticamente a recorrência de DVG. Antes do fechamento, rotineiramente coloca-se uma sonda nasogástrica — confirmada por palpação gástrica direta — para fornecer descompressão pós-operatória e uma via para alimentação precoce.
Manejo do paciente no pós-operatório
A hospitalização pós-operatória é necessária para cuidados de suporte e monitoramento, e a terapia com fluidos deve ter como objetivo repor e manter o volume circulante. Análises seriadas de gases sanguíneos, eletrólitos, glicose e valor de lactato podem orientar a terapia com fluidos e devem ser verificadas duas vezes ao dia em pacientes críticos.
Os opioides devem ser administrados para analgesia. Os AINEs não devem ser usados devido aos seus efeitos negativos na cicatrização gástrica e para evitar lesão renal após a hipoperfusão renal relativa experimentada durante a DVG.
A monitorização cardíaca através da eletrocardiografia contínua deve ser utilizada para monitorar a arritmia para que o tratamento possa ser administrado conforme necessário.
A pressão arterial deve ser avaliada no pós-operatório até que esteja normal; alguns pacientes podem necessitar de vasopressores. Antibióticos não são necessários no pós-operatório, a menos que haja uma necessidade secundária (por exemplo, pneumonia por aspiração concomitante, septicemia).
Pacientes que não melhoram ou pioram após a melhora inicial podem necessitar de diagnósticos adicionais (por exemplo, painéis de coagulação, radiografia torácica) para avaliar o desenvolvimento de coagulação intravascular disseminada, embolia pulmonar ou pneumonia por aspiração.
Considerar controle através de Rx de tórax, em todos os pacientes com DVG com hipertermia persistente, pois a pneumonia por aspiração é comum.
Prognóstico e prevenção
A taxa de mortalidade pós-operatória varia entre 10% a 33% em alguns trabalhos.
Os fatores associados ao aumento da mortalidade incluem sinais clínicos com duração > 6 horas, presença de necrose gástrica, necessidade de esplenectomia, e arritmias pré-operatórias.
Sem gastropexia, a recorrência de DVG pode ser de até 80%; a gastropexia eficaz diminui a recorrência para < 5%.
A gastropexia profilática é recomendada em cães de risco para reduzir o risco de DVG e pode ser realizada durante procedimentos abdominais de rotina em raças suscetíveis (por exemplo, Dogue Alemão, Pastor Alemão, etc)
Fonte:
https://vetsapiens.com/consultas-rapidas/sindrome-da-dilatacao-e-volvulo-gastrica-sdvg/
Clinician brief
Shape CR, Rozanski EA. Cardiovascular and systemic effects of gastric dilation and volvulus in dogs. _Top Companion Anim Me_d. 2014;29(3):67-70.