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Blog – Imunologia e Vacinação em cães e gatos

14 de fevereiro de 2025

Por M.V. Msc. Karin D. Botteon

Technical Manager Pets Boehringer Ingelheim

 O sistema imunológico é composto por células e órgãos que têm como função a proteção do organismo contra agentes invasores, tais como vírus, bactérias, fungos e outros patógenos. Os mecanismos pelos quais a resposta imune acontece são chamados de imunidade, que de maneira simplificada, se dividem em duas linhas de defesa, a imunidade inata e a imunidade adaptativa, sendo que cada uma delas tem sua parte de contribuição para estabelecer uma resposta imune adequada frente a um desafio.

A imunidade inata, presente ao nascimento é a primeira linha de defesa do organismo, portanto constitui uma resposta rápida e não especifica, ou seja, não está envolvida com a formação de anticorpos e sua ação, independe da presença de patógenos.  Fazem parte da resposta inata, as barreiras físicas, tais como pele, trato respiratório, fluidos corporais, que tem por função retardar ou mesmo impedir a entrada de moléculas ou agentes infecciosos no organismo, as barreiras fisiológicas, como a própria temperatura corpórea que contribui para limitar o crescimento ou até mesmo eliminar agentes patogênicos, barreiras celulares, composta por células como linfócitos natural killer e leucócitos fagocíticos, que endocitam/fagocitam partículas ou microrganismos estranhos, eliminando-os, e a própria barreira inflamatória, que induzem ou atraem as células fagocitárias para a área afetada. Já a imunidade adaptativa, constitui a segunda linha de defesa do organismo e é ativada pela imunidade inata, ou seja, é iniciada uma vez que a primeira linha de defesa não foi capaz de impedir a agressão pelo agente estranho.

A imunidade adaptativa é mais lenta, mas é capaz de gerar memória (anticorpos) e portanto, especifica e muito efetiva, tento por objetivo não somente identificar o agente invasor, mas eliminá-lo. Pode ser dividida em 2 tipos de resposta, a celular conferida pelos linfócitos T, direcionados contra patógenos intracelulares e a resposta humoral conferida pelos linfócitos B e direcionada a patógenos extracelulares. A imunidade adaptativa pode ser adquirida de duas formas, através de uma imunidade passiva, na qual haverá a transferência de anticorpos (AC) pré-formados para o receptor, sendo esta proteção imediata, mas temporária, já que tais AC serão gradativamente catabolizados, fazendo com que o animal se torne novamente susceptível; e a imunidade ativa, que ocorre quando o indivíduo é exposto a um antígeno e portanto é estimulado a montar a resposta imune com consequente formação de anticorpos. Em ambas as situações (imunidade passiva ou ativa), a aquisição ou formação dos AC podem ocorrer de forma natural ou artificial (vide Figura 1).

 

Figura 1

O processo de vacinação, portanto, é responsável, por induzir o organismo a montar uma resposta adaptativa artificial de forma que o organismo monte a memória imunológica, de forma a acelerar o processo de combate a um patógeno, caso o indivíduo seja exposto ao mesmo, no ambiente, de forma natural.

No entanto, reforça-se que os conceitos de vacinação e imunização são diferentes, enquanto a primeira consiste na aplicação de um produto com potencial imunogênico de estimular a resposta imune, o segundo (imunização) depende de o indivíduo suceder em montar tal resposta aquele estímulo. E a resposta imune adequada frente a um estímulo depende de diversos fatores, tais como o estado de saúde do indivíduo no momento do desafio, a presença de comorbidades, uso de determinadas medicações, experiência imunológica anterior e severidade do desafio (no caso de estímulo a desafios naturais e não vacinais.

Ainda há de se dizer que fatores genéticos também podem influenciar a capacidade do sistema imune a responder a estímulos vacinais, ou seja, existem indivíduos que por razões genéticas são incapazes de montar uma resposta imune solida diante de um estímulo, e estes indivíduos, chamados de não-respondedores ou mau-respondedores, independentemente do número de estímulos vacinais recebidos, não sucedem em montar uma resposta imune, continuando suscetíveis aquele patógeno. Muito pouco se sabe sobre a real ocorrência de não-respondedores na população canina, mas algumas estimativas, também com pobre evidência cientifica mencionam números como: 1 para cada 5 mil cães considerando-se a cinomose, 1 para cada 1000 cães considerando-se a parvovirose e 1 para cada 100 mil cães para adenovirose. Independente da incidência de não-respondedores genéticos, é esperado estatisticamente, que dentro de uma população de indivíduos vacinados, que haja aqueles indivíduos que não foram capazes de responder aos estímulos (por diversas razões), aqueles indivíduos que montam uma resposta imune superior e acima do esperado, e finalmente a grande maioria de uma população (≈ 90%), que respondem adequadamente ao estímulo vacinal. Estes dados estatísticos esperados dentro de uma população vacinada podem facilmente serem expostos pela curva de Gauss (Figura 2).

 

 

Figura 2

Outro ponto importante sobre o processo de imunização é a qualidade da resposta imune conferida pelas vacinas ou melhor pelos agentes etiológicos que as compõe. A resposta induzida pelos agentes pode ser estéril ou não estéril e, relembrar tais conceitos é importante para que não se gere uma expectativa não realística para a vacina utilizada. A imunidade esterilizante é aquela que gera uma proteção robusta contra a infecção, doença clínica e excreção do agente etiológico (Ex: Parvovirose), enquanto a imunidade não esterilizante é capaz de diminuir a severidade da doença, mas não inibem completamente a infecção, o desenvolvimento de sinais clínicos e excreção do agente etiológico, em caso de desafio natural (Ex: calicivirose, herpesvirose).

Nos últimos anos, diversos avanços foram atingidos na medicina veterinária, inclusive na área de vacinação e prevenção de doenças infecciosas. É importante pontuar que as vacinas devem ser utilizadas de forma racional, sempre levando em consideração os riscos versus os benefícios para o paciente e para a população como um todo. Diante isso, o WSAVA (World Small Animal Veterinary Association) publica periodicamente as atualizações sobre diretrizes de vacinação para orientar os médicos-veterinários a respeito dos programas de vacinação, dividindo as vacinas em essenciais, não essenciais e não recomendadas, sustentando a importância da individualização dos protocolos.

O Vaccination Guidelines Group (VGG) ou Grupo de Vacinação do WSAVA, caracteriza em sua publicação do ano de 2024, que vacinas essenciais são aquelas que TODOS os cães e gatos devem receber, após considerar o seu estilo de vida e as áreas geográficas em que vivem ou para onde viajam, vacinas não essenciais como aquelas que devem ser altamente recomendadas em animais cuja localização geográfica e/ou estilo de vida (por exemplo, acesso à rua e áreas externas, residência com vários animais de estimação) os coloca em risco de contrair infecções específicas não designadas como essenciais e não recomendadas onde não há evidências científicas suficientes para justificar a recomendação do seu uso em qualquer lugar. Assim, atrelado tais diretrizes, o conhecimento da imunidade e resposta imune, é a base que nos orienta a decidir o melhor curso de ação para nossos pacientes a iniciar um processo de individualização no tratamento ou prevenção de doenças nos nossos pacientes.

Referências bibliográficas:

  1. Greene, C.; Levy, J. Immunoprophylaxis. In: Greene, C.;Sykes J. Infectious Diseases of the Dog and Cat 4th Edition, Missouri, Saunders, 2011, p.1163 – 1205.
  2. Tizard, I. Veterinary Immunology – The use of vaccines, 9th edition, Missouri, Elsevier Saunders,2013.
  3. Ford, R.B. et al. 2017 AAHA Canine Vaccination Guidelines. AAHA Canine Vaccination task force. In: https://www.aaha.org/aaha-guidelines/vaccination-canine-configuration/vaccination-canine/
  4. Day, M.D. et al. Guidelines for the Vaccination of Dogs and Cats compiled by the Vaccination Guidelines Group (VGG) of the World Small Animal Veterinary Association (WSAVA). Journal of Small Animal Practice Vol. 57 January 2016.
  5. Squires et al. 2024 guidelines for the vaccination of dogs and cats – compiled by the Vaccination Guidelines Group (VGG) of the World Small Animal Veterinary Association (WSAVA). Journal of Small Animal Practice • © 2024 WSAVA.
  6. Fauci, A.S. Building trust in vaccines. National Institute of Health, December,2019. In: https://www.nih.gov/about-nih/whatwe-do/science-health-public-trust/perspectives/science-health-public-trust/building-trust-vaccines
  7. World Health Organization. Vaccines. In: https://www.who.int/
  8. OiE. Guidelines for Animal Disease Control. In: https://www. oie.int/

 

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