Blog – Dirofilariose – será que estamos dando a devida atenção?
O tão conhecido nematóide filarióide Dirofilaria immitis, ainda continua parasitando nossos pacientes caninos, mas será que damos a devida atenção a esse parasita no Brasil? Será que sabemos diagnostica-lo? Será que estamos orientamos os tutores da maneira correta quanto a prevenção?
Sabemos que as dirofilarias adultas residem primariamente dentro das artérias pulmonares, mas podem ser encontradas também no átrio direito, no ventrículo direito e nas veias cavas.
Importante dizer que a dirofilariose pode ocorrer em todos os cães, sendo mais frequentemente encontrada em cães entre 2 e 7 anos de idade e apesar da prevalência ser maior em regiões litorâneas, com temperaturas mais elevadas e com maior umidade, atualmente, com o aquecimento global vemos cada vez mais dirofilaria em locais que antes não eram tão prevalentes.
Distribuição mundial da Dirofilaria immitis
Fonte: Dantas-Torres et al., 2023
CICLO DE VIDA
Vale lembrar que o ciclo de vida da Dirofilaria immitis é relativamente longo (normalmente de 7 a 9 meses) quando comparado a outros nematoides.
E se inicia quando o vetor (mosquitos dos gêneros Aedes, Anopheles e Culex sp.) se infecta durante o repasto sanguíneo em um hospedeiro contendo grandes quantidade circulantes de microfilárias, em geral cães ou outros canídeos. As microfilárias se desenvolvem dentro do mosquito até atingirem o estágio L3 (em aprox.10 -14 dias), quando se torna uma larva infectante.
Ao fazer o repasto sanguíneo, o mosquito deposita as larvas L3 infectantes sobre a pele do hospedeiro, e a larva penetra pelo orifício deixado pelo mosquito. Em 3 a 4 dias essas larvas vão evoluir para L4 nos tecidos do hospedeiro até se tornarem jovens adultos e continuarem migrando profundamente, por um período de 45 a 65 dias, até entrarem no sistema circulatório, onde são transportadas até o coração e os pulmões.
Ao atingirem as artérias pulmonares, essas larvas L4 medem entre 1,5 cm até 4 cm de comprimento, podendo atingir até 10 a 12 vezes esse tamanho quando maduras, aproximadamente, 120 dias após a infecção. Os vermes adultos podem viver por até 5 anos, produzindo novas microfilárias e tornando o cão hospedeiro um possível reservatório para inúmeros mosquitos vetores por até 7 anos.
Portanto manter o animal livre de parasitas protege não só ele, mas outros animais da mesma espécie.
SINTOMAS CLÍNICOS
Como veterinários devemos lembrar que os sintomas da dirofilariose são bem inespecíficos, ou seja, podem variar bastante e vão depender do estágio do ciclo de vida, da gravidade da infecção e da resposta do hospedeiro à infecção.
Os principais efeitos da infecção por Dirofilaria immitis são os distúrbios circulatórios devido à interferência mecânica dos vermes adultos no coração e nos vasos sanguíneos e uma reativa endo-arterite pulmonar, progredido para uma dilatação cardíaca e, finalmente insuficiência cardíaca.
A condição pode ser agravada por tromboembolias nas artérias pulmonares e o resultado final é uma congestão passiva dos pulmões, rins e fígado, hipertensão portal, congestão do intestino grosso, ascite, hidro tórax e edema.
O curso da doença depende do tamanho, localização e duração da infecção. A síndrome da veia cava, a forma mais grave de dirofilariose nos cães pode ocorrer quando muitos vermes estão presentes na veia cava e no átrio direito, podendo levar ao óbito.
Devemos pensar em dirofilaria em cães que se apresentam inquietos, cansados, com grande perda da condição física e intolerância aos exercícios, com tosse branda e crônica e, também nos cães que chegam com casos que chegam com dispneia, edema pulmonar e ascite, e nos que vem a óbito.
Figura: Vermes adultos machos e fêmeas de D. immitis no coração de um cão que veio a óbito.
Fonte: Simon et al., 2012
Diagnóstico
Um correto diagnostico inicia-se com uma anamnese completa, onde perguntamos o a procedência do animal, local onde ele vive, possíveis viagens e o estilo de vida.
E independentemente das respostas, o ideal é indicarmos testes diagnósticos de todos os cães com mais de 7 meses de idade – testes de detecção de antígeno (ELISA ou ensaios imunocromatográficos) e testes para detecção da microfilária (teste de Knott).
Porém, quando a infecção é recente (período de 5-6 meses após a inoculação do parasita), os testes podem apresentar um resultado falso negativo.
Em estágios mais avançados, é possível diagnosticar a doença por meio do ecocardiograma. A parede do corpo da D. immitis adulta é altamente ecogênica e produz imagens com traços paralelos que podem ser observados no exame de imagem.
Os testes sorológicos são de extrema importância para o diagnóstico, pois as microfilárias podem não ser visualizadas nos testes diretos.
Os testes de antígenos atualmente disponíveis são capazes de identificar infecções contendo, pelo menos, uma fêmea adulta com quase 100% de especificidade. Atualmente existem inúmeros testes rápidos com elevada sensibilidade e especificidade para o diagnóstico precoce da dirofilariose.
Todos os testes de antígenos positivos devem ser confirmados por outros testes, antes da escolha da estratégia terapêutica mais apropriada.
Por outro lado, um teste de antígeno negativo não exclui a possibilidade de infecção pela Dirofilaria immitis, por isso todos os cães devem ser testados anualmente para a presença de microfilárias, o que vai identificar o paciente como um reservatório potencial.
Os principais objetivos do tratamento da dirofilariose são melhorar a condição física do animal e eliminar todos os estágios de vida do verme (microfilárias, estágios larvais, adultos jovens e maduros) com mínimos efeitos colaterais.
Cães com sinais clínicos cardiovasculares mais graves devem primeiro ser estabilizados antes de iniciar o tratamento, o que pode requerer o uso de corticoides, diuréticos, vasodilatadores, agentes inotrópicos positivos e fluidoterapia.
O tratamento adulticida atualmente indicado é a melarsomina IM. Este tratamento, porém, não está disponível no Brasil. Uma alternativa nesse caso seria o tratamento de longo prazo com lactonas macrocíclicas. A ivermectina já foi testada na dose preventiva de 0,06 mg/kg por 12 meses ou mais, com boa taxa de eficácia adulticida.
A doxiciclina também é empregada, pois é eficaz na redução do número das bactérias Wolbachia, que são endo-simbióticas e realizam parasitismo intracelular da D. immitis.
Este fármaco faz parte do protocolo multimodal desenvolvido por Thomas Nelson (2017), que faz a combinação da administração da doxiciclina + a ivermectina e a melarsomina. Protocolo esse indicado pela American Heartworm Society (AHS), que indica o uso do preventivo mensal contra dirofilariose (dias 1, 30, 61, 90, 120, e depois durante todo o ano, conforme necessário) + a doxiciclina a 10 mg/kg a cada 12 h (dias 1–28) antes do regime de três injeções de melarsomina (uma injeção de 2,5 mg/kg seguida pelo menos 1 mês depois por duas injeções da mesma dose com 24 h de intervalo).
Além disso, as diretrizes da AHS afirmam que, quando o tratamento com melarsomina não é possível ou é contraindicado, o tratamento com o protocolo de eliminação lenta (slow kill) pode ser considerado um procedimento de “salvamento”.
Atualmente, o chamado “Slow Kill”, somente com a Doxicilina + uma lactona macrocíclica é considerado o tratamento padrão em muitos locais.
Em alguns casos graves, indica-se a remoção dos vermes cirurgicamente, evitando-se o risco de reações adversas após terapia medicamentosa. A remoção cirúrgica dos parasitos adultos do átrio direito e da valva tricúspide direita pode ser realizada através de leve sedação e/ou anestesia local, e requer pinças flexíveis (pinça jacaré longa) ou uma pinça de resgate introduzido preferencialmente através da veia jugular externa.
PREVENÇÃO
Lembrar que apesar das regiões litorâneas e cidades endêmicas ainda representarem maior risco de infecção, a dirofilariose pode estar presente em diversas regiões não-litorâneas, o que deve ser considerado pelo médico-veterinário.
A prevenção é sempre a melhor opção, a mais segura e pode se dar através da prevenção da picada do mosquito vetor, utilizando ectoparasitas (spot-on ou coleiras) que protejam contra os mosquitos e/ou através da prescrição da administração periódica de fármacos antiparasitários (lactonas macrocíclicas) como forma de quimioprofilaxia contra as microfilárias, ou seja, fármacos que matem as microfilárias inoculadas na corrente sanguínea do cão ou do gato durante o repasto.
Vale ressaltar que a Sociedade Americana de Dirofilariose recomenda que pesquisas de antígenos circulantes e de microfilárias sejam realizadas anualmente, com intuito de verificar se a profilaxia está sendo eficaz.
E cães com mais de 7 meses de idade ou aqueles que não foram testados para dirofilariose nos últimos 12 meses, devem ser submetidos a exames diagnósticos antes da prescrição de produtos para prevenção para evitar confusões referentes aos programas de prevenção em infecções subclínicas pré-existentes (se a prevenção for iniciada no período de pré-patência por exemplo).
A prevenção é fundamental para todos os cães que vivem em áreas endêmicas e essa prevenção deve começar a ser realizada o quanto antes, a partir de 2 semanas de idade, se a bula do produto escolhido permitir.
As lactonas macrocíclicas, como a ivermectina, quando administradas de acordo com as orientações do fabricante, estão entre as classes de drogas mais eficazes e seguras usadas na prevenção da dirofilariose, sendo efetivas contra as larvas L3 e L4 e também contra as microfilárias.
A ação filaricida da ivermectina se dá pela pulsoterapia de pequenas doses mensais. Pular ou atrasar a administração de apenas uma dose pode predispor o cão à infecção.
Algumas raças de cães com mutação no gene MDR 1 (ABCB1) como Collies, são altamente sensíveis a uma grande variedade de drogas, incluindo as lactonas macrocíclicas, como a ivermectina.
Mas tal toxicidade era mais comumente observada quando preparações concentradas com indicação para animais de produção era erroneamente aplicada em cães. As doses preventivas de ivermectina aprovadas para uso nos cães, em doses mais baixas, se mostraram seguras para uso em todas as raças.
Existem diversos produtos a vase de ivermectina, mas um que se destaca no mercado é o Endogard que é um dos antiparasitários mais completos de uso mensal, a base de Febantel, Pirantel, Praziquantel e Ivermectina, atuando contra nematóides, cestóides e protozoários.
Ao prescrever Endogard, podemos prevenir a Dirofilariose e outras importantes parasitoses como Toxocara canis, Ancylostoma caninum , Giardia canis, Trichuris, Echinococcus granulosus, Dipylidium caninum.
Devemos explicar aos tutores a gravidade dessa enfermidade e a possiblidade de prevenção com apenas 1 comprimido ao mês, a fim de melhorar a adesão e o controle da doença.
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