Faleceu em Brasília, o médico-veterinário Milton Thiago de Mello, na terça-feira (1), aos 108 anos de idade, deixando esposa, quatro filhos, cinco netos e dois bisnetos.

O professor e pesquisador dedicava-se como ninguém ao seu trabalho, mas de uma forma leve. Seu raciocínio era rápido para estampar sorrisos em seus interlocutores e, por onde passava, cativava com seu humor refinado.

Nascido no Rio de Janeiro, em 5 de fevereiro de 1916, dedicou mais de 80 anos de sua vida profissional à Medicina Veterinária e conseguiu feitos importantes para a saúde animal e humana. Desenvolveu relevantes trabalhos em ensino e pesquisa, como a produção de penicilina no Brasil.

O Dr. Milton Thiago graduou-se em Medicina Veterinária, em 1937, pela Escola de Veterinária do Exército, no Rio de Janeiro, e iniciou a sua vida de pesquisador na mesma instituição. Ele foi pioneiro no estudo de doenças que afetam animais e seres humanos, em uma época que o conceito de zoonose ainda não estava difundido. Na área de microbiologia, contribuiu sobre o conhecimento da brucelose, peste bubônica entre outras.

No Exército Brasileiro (EB), lecionou no Colégio Militar do Rio de Janeiro e trabalhou no Instituto Militar de Biologia, no qual participou da equipe responsável pela produção do soro antitetânico utilizado pelos combatentes brasileiros durante a Segunda Guerra Mundial. Após longa trajetória dedicada à Instituição, foi reformado em 1969 como coronel. Mesmo após seu afastamento da ativa, não parou de trabalhar, realizando pesquisas e consultorias a nível nacional e internacional.

Participou, também, de entidades de classe, tendo sido presidente da Academia Brasileira de Medicina Veterinária (Abramvet); vice-presidente da Sociedade Latino-Americana de Bem-Estar Animal; membro honorário da Associação Mundial de Veterinária; do World Veterinary Association Committee for Animal Welfare and Ethology; e do International Councilof Laboratory Animal Science (ICLAS).

Em sua passagem pela presidência da Abramvet, Thiago de Mello publicou vários trabalhos na revista Animal Business-Brasil. Nesse período, ele também estabeleceu um sólido vínculo com a Sociedade Nacional de Agricultura (SNA), no Rio de Janeiro, inclusive colaborando no livro, Brasil: Potência Alimentar.

Mas não parou por aí, em colaboração com o presidente da SNA, Antonio Mello Alvarenga Neto, apresentou o livro Alimento para um mundo faminto, no 32º Congresso Mundial de Veterinária, realizado em Istambul-Turquia (2015).

Reconhecimento internacional

Uma das entidades que Milton Thiago viu nascer e para a qual deu uma importante contribuição foi a Organização das Nações Unidas (ONU). Em 1945, ano de sua criação, o médico-veterinário brasileiro estava próximo de completar 30 anos de idade e já possuía uma importante carreira. Acabou tornando-se testemunha da trajetória de 77 anos da instituição que ajudou a construir.

Em outubro de 2021, o site da ONU no Brasil publicou uma entrevista, descrevendo sua trajetória profissional e reconhecendo a importante colaboração que o médico-veterinário deu para a construção da entidade.

Mesmo aposentado, colaborou com a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) em uma consultoria internacional para a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) e o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD).

Sua dedicação à ciência aproximou-o da Organização Pan-Americana de Saúde e da Organização Mundial da Saúde (OPAS/OMS). O trabalho realizadoem diferentes entidades da ONU o levou para Guatemala, México, Estados Unidos, Peru, Colômbia, República Dominicana, El Salvador, entre outros.

Considerado um dos mais reconhecidos microbiologistas do mundo, recebeu o prêmio John Gamgee, no dia 19 de setembro de 2013, durante o 31º Congresso Mundial de Veterinária, realizado em Praga, República Tcheca. A honraria é considerada a maior da Medicina Veterinária no mundo.

Sua trajetória proporcionou homenagens oferecidas por altas autoridades, entre as quais, o de “Honorary Fellowof the Zoological Societyof London” entregue pela rainha Elizabeth II, da Inglaterra, no ano de 1988, em Londres.

O professor também teve a oportunidade de se encontrar com o imperador Akihito, do Japão, e o Papa João Paulo II, em ocasiões diferentes.

Dedicação à docência

No meio acadêmico, Mello lecionou em faculdades no Brasil e no exterior. Na Universidade de Brasília (UnB), permaneceu por 20 anos, como professor de microbiologia, e fundou o Centro de Primatologia da instituição. Como pesquisador, produziu mais de 150 artigos científicos e técnicos publicados sobre brucelose, peste bubônica, micologia, infecção por via aérea, primatologia, conservação e ensino veterinário. É autor de quatro livros e editor de outros quatro.

Para quem deseja conhecer melhor a vida deste inspirador médico-veterinário, sugerimos a leitura de sua biografia, intitulada “Poste de Cozumel”. Milton conta a sua vida em sete partes: família, Exército, Medicina Veterinária, ciência, ensino, sociedade e vida internacional. O seu amigoLuiz Octávio Pires Leal, médico-veterinário e jornalista, também escreveu o livro “Milton Thiago de Mello – Ícone da Medicina Veterinária brasileira e mundial”, que também reporta a história do professor, de um ponto de vista diferente, como se ele estivesse sentado à sua frente contando causos da vida. Você pode acessar a publicação aqui.

Milton deixou um recado às novas gerações, em entrevista à Revista Darcy, da UnB, edição nº 22/2019: “Se vocês quiserem progredir, têm que sair da trilha. É importante fazer os sidelines (trilhas alternativas). Para fazer diferente, têm que arcar com a indiferença e a má vontade dos que estão na trilha. Tem que ter muque físico e, principalmente, muque intelectual.”

Currículo

Milton Thiago de Mello fez doutorado em microbiologia, em 1946, pela Escola Nacional de Veterinária, atual Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ). Foi professor da Universidade Federal Fluminense (UFF); Universidade de Brasília (UnB); Universidade Autônoma de Santo Domingo (UASD); Universidade de San Salvador (UES); e Universidade da Califórnia (UC). O professor também deu aula no Instituto Oswaldo Cruz (IOC) e no Colégio Militar do Rio de Janeiro (CMRJ). Thiago de Mello recebeu cerca de 20 distinções e prêmios de instituições como Comité Français de l´Associaciation Mondiale Vétérinaire, The World Veterinary Epidemiology Society, Sociedade Colombiana de Primatologia e The John Simon Guggenheim Memorial.

O médico-veterinário foi membro da Real Academia de Ciências Veterinárias; Academia Nacional de Agronomia y Veterinaria; The American Academy of Microbiology; do The New York Academy of ciences e filiado a mais de 30 sociedades científicas, tendo participado da fundação de 14 delas.

Assista a primeira parte do especial Estúdio CFMV Milton Thiago de Mello: um grande Brasileiro.