Blog – Icterícia: por onde começar o diagnóstico
Por Rosangela Gebara
A icterícia animal é um achado relativamente comum no consultório e no atendimento emergencial, resultante do acúmulo de bilirrubina no plasma e nos tecidos ao ponto de se tornar visível nos tecidos, que ficam amarelados.
Os níveis séricos normais de bilirrubina devem ser inferiores a ~ 6 µmol/L e a icterícia só se torna visível na pele e mucosas quando os níveis estão iguais ou maiores que 35 µmol/L.
Por isso, a hiperbilirrubinemia, deve estar moderada ou acentuada para que a icterícia seja visível na pele e/ou mucosas.
Como diagnosticar e tratar icterícia?
A questão-chave que deve ser respondida inicialmente no diagnóstico é se a icterícia é:
- Pré-hepática
- Hepática
- Pós-hepática
A determinação da origem é vital, pois identifica a lista de diagnósticos diferenciais e, assim, o plano de tratamento/estabilização.
1. Icterícia pré-hepática – A icterícia pré-hepática ocorre quando a taxa de produção de bilirrubina excede a capacidade do fígado de excretá-la.
Como a hemoglobina presente dentro dos glóbulos vermelhos é a principal fonte de bilirrubina, a icterícia pré-hepática é observada em condições em que os glóbulos vermelhos são destruídos rapidamente. Desse modo, o excesso de bilirrubina vem acompanhado de um quadro de anemia.
2. Icterícia hepática – A icterícia hepática ocorre quando a função hepática está comprometida a ponto de não ser mais capaz de eliminar a carga diária normal de bilirrubina.
A icterícia pode ser observada em condições agudas e crônicas que afetam a função hepática e por isso a lista diferencial é longa.
As causas de icterícia hepática de início agudo:
- Hepatotoxinas ( Ex: xilitol, medicamentos como valium em gatos, paracetamol, biotoxinas – aflatoxinas, algas verde-azuladas e metais pesados -zinco , ferro.
- Doenças infecciosas (Ex: leptospirose)
- Doenças metabólicas (Ex: lipidose hepática em gatos)
- Doenças inflamatórias (Ex: colangiohepatite em gatos)
- Neoplasia hepática infiltrativa (Ex: linfoma).
Pacientes com doença hepática crônica podem ocasionalmente apresentar-se como emergências, quando há deterioração aguda da condição crônica.
Se o animal tiver um longo histórico de sinais clínicos compatíveis (por exemplo, PU/PD, perda de peso, inapetência, vômitos, possivelmente distensão abdominal), essa possibilidade deve ser fortemente considerada.
3.Icterícia pós-hepática – A icterícia pós-hepática ocorre se o fígado é capaz de eliminar a carga diária normal de bilirrubina no sistema biliar.
Mas o sistema biliar é incapaz de excretá-la através do trato GI. Isso pode ser observado com obstrução biliar (EX: pancreatite grave) ou ruptura do sistema biliar.
Quais exames pedir?
Como nosso objetivo inicial é saber se a icterícia animal é pré-hepática, hepática ou pós-hepática, devemos realizar inicialmente hemograma, bioquímica e ultrassonografia.
Hemograma
O hemograma avaliará se o animal apresenta anemia, e se essa é responsável pela icterícia pré -hepática.
Se o animal estiver com uma anemia moderada (HT < 25% em cães, HT < 20% em gatos), é muito provável que a icterícia seja de origem pré-hepática e a avaliação para outras doenças e a investigação para anemia hemolítica devem ser realizadas.
Em pacientes com anemia leve, a situação é menos clara, pois uma anemia leve pode estar associada a várias causas de icterícia hepática e pós-hepática.
O julgamento clínico deve então ser usado, mas a icterícia hepática ou pós-hepática é mais provável.
Se o HT estiver normal, a icterícia pré-hepática pode ser descartada, e a partir disso devemos avaliar os outros exames (bioquímico e ultrassonografia de abdomen).
A informação obtida a partir da imagem ultrassonográfica do abdome varia, mas deve ser avaliada se há presença de líquido livre abdominal e, se presente, este deve ser coletado.
Também deve-se avaliar o parênquima hepático, o pâncreas, a vesícula biliar e o ducto biliar.
O diagnóstico de colestase obstrutiva (icterícia pós-hepática) envolve a medição do diâmetro do ducto biliar e a identificação da dilatação.
A bioquímica sérica também deve ser cuidadosamente avaliada e apesar das enzimas hepáticas (ALT, AST e FA) aumentarem tanto na doença hepática quanto na pós-hepática, a magnitude deste aumento difere.
A ALT é uma enzima hepatocelular, enquanto a FA está localizada no endotélio biliar. Assim, na doença hepática, a ALT tende a ser proporcionalmente maior que a FA e na icterícia pós-hepática isso se inverte ( FA>ALT)
Outros pontos importantes – nem a ALT nem a FA refletem a função hepática e, de fato, com alguma doença hepática crônica em estágio avançado, elas podem realmente começar a cair, pois a massa hepática pode estar atrofiada.
Os outros parâmetros vitais na avaliação do painel bioquímico são aqueles indicadores de mau funcionamento do fígado:
- Hipoglicemia, que fica baixa na insuficiência hepática, pois a glicose é produzida no fígado via gliconeogênese;
- baixa nas concentrações de ureia que é produzida no fígado através da metabolização das proteínas via ciclo da ureia;
- baixo colesterol, que fica baixo na insuficiência hepática, pois é sintetizada no fígado;
- e hipoalbuminemia na insuficiência hepática crônica.
Se houver suspeita de insuficiência hepática, os tempos de coagulação (PT e PTT) também devem ser avaliados.
A insuficiência hepática prolonga os tempos de coagulação, pois a maioria dos fatores de coagulação é sintetizada no fígado. A identificação de tempos de coagulação prolongados terá implicações para a estabilização e outras decisões diagnósticas.
Foto: Felino com icterícia severa visível em pavilhões auriculares
Exame de imagem – Ultrassonografia abdominal
A informação obtida a partir da imagem ultrassonográfica do abdome varia, mas deve ser avaliado se há presença de líquido livre abdominal e, se presente, este deve ser coletado para avaliar a bilirrubina deste fluido.
A ruptura do sistema biliar é diagnosticada quando a bilirrubina no líquido abdominal livre é maior do que a bilirrubina sérica.
Embora a ruptura biliar seja muito incomum, é vital que seja identificada rapidamente para a indicação cirúrgica, enquanto a terapia para quase todas as outras causas de icterícia são de tratamento medicamentoso.
Também deve-se avaliar no US, o parênquima hepático, o pâncreas, a vesícula biliar e o ducto biliar.
O diagnóstico de colestase obstrutiva (icterícia pós-hepática) envolve a medição do diâmetro do ducto biliar e a identificação da dilatação.
Quaisquer outros testes de diagnóstico dependerão da lista diferencial priorizada refinada, mas podem incluir:
- Painel hematológico completo;
- imagens adicionais (imagens torácicas, especialmente importantes se a neoplasia estiver no topo da lista diferencial);
- lipase pancreática, se uma pancreatite estiver levando a uma colestase obstrutiva);
- testes de doenças infecciosas como de leptospirose e leishmaniose;
- e citologias ou histopatológico do parênquima hepático.
A partir do seu diagnóstico, iniciará seu Plano Terapêutico relacionado a afecção encontrada.
Como com todos os pacientes, a estabilização inicial deve ser prioridade antes mesmo do diagnóstico da icterícia animal, e do plano terapêutico específico.
O que pode levar um longo tempo, então, a estabilização do paciente nas primeiras horas antes do diagnóstico definitivo, provavelmente será empírica, mas essencial.
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