O novo coronavírus e os animais de companhia - Vetsapiens

O novo coronavírus e os animais de companhia

13 de maio de 2020
noticia Covid update
Atualização de 11 de maio de 2020

O conhecimento sobre o SARS-CoV-2 avança rapidamente e novos dados já estão disponíveis desde a publicação do trabalho: “O novo coronavírus e animais de companhia 1. O objetivo desta atualização é incluir as informações sobre SARS-CoV-2 e os animais, disponibilizadas entre 2 e 11 de maio de 2020.

Infecção experimental

Camundongos

Em um estudo experimental com camundongos não foi possível infectá-los com SARS-CoV-2 por via intranasal 2. Isto não surpreende, porque o receptor ACE2 de camundongo tem pouca homologia com o do ser humano 3 e camundongos não foram sensíveis ao vírus SARS-CoV-1 que utiliza o mesmo receptor 4.

Coelhos

Em 8 de maio de 2020, o Ministério da Cultura, Natureza e Qualidade dos Alimentos da Holanda comunicou à imprensa e em uma carta ao Parlamento que investigará as fazendas de coelhos na região onde existem fazendas casos clínicos de visons com SARS-CoV-2 5. O número de fazendas de coelhos envolvidas não foi mencionado. Essa decisão foi tomada porque pesquisas na Universidade Erasmus de Roterdã mostraram que os coelhos também são sensíveis à SARS-CoV-2 5. Essa é a primeira menção desse estudo, que ainda não foi publicado 6.

Reinfecção experimental

Macacos-rhesus

Macacos-rhesus experimentalmente infectados foram reinoculados com a mesma dose de vírus por via intranasal 7. A reinoculação ocorreu depois que os sinais clínicos desapareceram e de os animais terem desenvolvido anticorpos. Após a reinfecção, os animais não apresentaram sinais clínicos e o RNA viral não foi detectado nos swabs orofaríngeos e retais. Combinando os achados virológicos, radiológicos e patológicos, os macacos reexpostos não apresentaram recidiva de Covid-19 7.

Infecção natural

Cães

Informações adicionais sobre o primeiro cão identificado com SARS-CoV-2 estão disponíveis em um trabalho submetido para publicação 8, sobre o spitz alemão em que foi identificado o SARS-CoV-2 em 26 de fevereiro de 2020. Sabe-se agora que a proprietária e uma pessoa que trabalhava na casa tiveram sinais clínicos e testaram positivo para Covid-19. Os três outros membros da família não demonstraram sinais. Uma terceira pessoa que também trabalhava na casa apresentou resultado positivo para Covid-19 depois de o cão ter sido posto em quarentena no Departamento de Agricultura, Pescados e Conservação de Hong Kong. O cão não apresentou sinais clínicos, mas tinha várias doenças pré-existentes, incluindo um sopro cardíaco, hipertensão sistêmica e pulmonar, doença renal crônica, hipotireoidismo e história prévia de hiperadrenocorticismo 8.

Era sabido que não havia sido possível cultivar o vírus das amostras positivas na RT-PCR. Isso está sendo atribuído à baixa carga viral. As sequências genéticas das amostras de duas pessoas da casa foram idênticas 8. A sequência viral do cão diferiu em três posições nucleotídicas. É interessante que a sequência viral do cão era diferente da das pessoas da casa. As três mutações observadas no cão podem ser importantes porque duas delas alteram a sequência de aminoácidos. É possível que elas tenham surgido por pressão de seleção na transmissão inter espécie, mas não se sabe exatamente qual a sua significância 8.

De acordo com este relato, seroconversão não foi detectada e isso também foi atribuído à infecção assintomática e baixa carga viral 8. Relatos iniciais da Organização Mundial de Saúde Animal (OIE) haviam identificado que a vírus-neutralização havia sido negativa 9, enquanto o teste de neutralização por redução em placa havia sido positivo 10.

A conclusão final é que o cão apresentou uma infecção leve e que foi infectado por alguém da casa com Covid-19. A baixa carga viral eliminada e a diferença na sequência viral excluem o cão como fonte de infecção para as outras pessoas da casa.

Gatos

Em 5 de maio de 2020, a OIE liberou o relatório final para o gato assintomático diagnosticado em 30 de março em Hong Kong 11Após o exame veterinário na entrada da quarentena, amostras de swab nasal, oral e retal foram coletadas. Todas as amostras foram positivas para SARS-CoV-2. O gato desenvolveu anticorpos para o SARS-CoV-2, mas o vírus não pôde ser isolado. Durante a quarentena, o gato não exibiu nenhum sinal clínico. Ele retornou para o proprietário após a conclusão da quarentena e após apresentar resultados negativos em testes consecutivos 11.

Em 8 de maio de 2020, pesquisadores do Centro de Pesquisa em Saúde Animal (CReSA) da Universidad Autònoma de Barcelona detectaram o primeiro gato infectado com o novo coronavírus na Espanha 12. O gato macho de 4 anos de idade pertencia a um núcleo familiar com várias pessoas doentes com Covid-19, uma das quais morreu em consequência da doença. O animal foi atendido por apresentar sérias dificuldades respiratórias, temperatura retal de 38,2 ºC, trombocitopenia e insuficiência cardiorrespiratória aguda 12. Ele foi submetido a eutanásia. A necropsia mostrou que o gato apresentava cardiomiopatia hipertrófica com edema, congestão e hemorragia pulmonares. Foi detectado material genético da SARS-CoV-2 em amostras colhidas na cavidade nasal e no linfonodo mesentérico. A carga viral, no entanto, era baixa e nenhuma das lesões apresentadas pelo animal foi julgada compatível com uma infecção pelo SARS-CoV-2 12.

Esse foi o primeiro gato que morreu infectado com SARS-CoV-2. Com todos os problemas de saúde subjacentes desse paciente, o SARS-CoV-2 pode ter sido apenas uma infecção incidental e não o responsável pela sua morte. Essa é a conclusão inicial dos pesquisadores do CReSA. Por outro lado, em uma meta-análise de casos de Covid-19 humanos, hipertensão e doenças cardiovasculares foram identificados como fatores de risco que afetam adversamente a progressão da doença 13. Maiores informações sobre esse caso são necessárias antes que se possa tirar uma conclusão definitiva sobre o papel do coronavírus no quadro clínico.

Visons

Casos de visons foram identificados na Holanda no mês de abril 5. A Holanda ainda é um dos grandes produtores mundiais de vison. Em 2013, foi implementada a proibição progressiva da produção comercial desses anmais naquele país. A proibição total, no entanto, só ocorrerá em 2024 14. Até o momento, não há relatos de infecções em visons na China, o maior produtor mundial de visons e onde os primeiros casos de SARS-CoV-2 em pessoas foram identificados 6. É interessante notar que em um estudo usando algoritmo de aprendizado profundo (deep learning algorithm) para prever os possíveis hospedeiros do SARS-CoV-2, o vírus de vison foi o que mostrou padrão de infectividade mais próximo do SARS-CoV-2 15. Morcegos e visons seriam os dois candidatos mais prováveis de serem reservatórios do SARS-CoV-2 de acordo com esse estudo 15

Após avaliação de risco, as autoridades veterinárias holandesas decidiram manter vivos os visons afetados nas duas fazendas inicialmente afetadas 16. A eutanásia no pico do surto de Covid-19 poderia aumentar o risco de exposição de pessoal e do ambiente ao SARS-CoV-2. Manter os visons vivos e sob controle estrito também ajudará no entendimento da dinâmica da doença em uma população suscetível 16. O relatório preliminar do Ministério da Agricultura, Natureza e Qualidade dos Alimentos da Holanda de 8 de maio de 2020 concluiu que o vírus já estava presente nas fazendas havia várias semanas 17. O primeiro caso humano de Covid-19 na Holanda foi diagnosticado em 27 de fevereiro de 2020 em uma pessoa da região de North Brabant 18, mesma província onde ficam as fazendas de vison afetadas por SARS-CoV-2 5. O relatório também informou que visons infectados por SARS-CoV-2 podem apresentar pneumonia e vir a óbito. A morbilidade e a mortalidade são baixas, e fêmeas prenhas parecem apresentar maior risco 17. Parece provável que além da transmissão homem-vison, também tenha ocorrido transmissão entre os visons nessas fazendas. A variação genética entre os vírus nas fazendas reforça a possibilidade de transmissão entre os visons 17. Se isso for confirmado, será o primeiro caso em que transmissão entre animais é confirmada em condições naturais, e terá importância para o controle da Covid-19 nas fazendas. A diferença genômica dentre os vírus também mostra que as duas primeiras fazendas foram infectadas independentemente e de fontes diversas. Até o momento, não se conhece nenhuma sequência de vírus de pacientes humanos com Covid-19 na Holanda que seja associado com os vírus encontrados nessas fazendas 17. Consequentemente, mesmo com a transmissão entre visons, não parece que eles tenham sido capazes de infectar pessoas.

No início de maio, o vírus SARS-CoV-2 foi encontrado em vison de duas fazendas adicionais, também na província de North Brabant 5Uma das fazendas foi investigada porque era do mesmo proprietário das duas com casos confirmados de Covid-19. Não havia aumento da mortalidade ou problemas pulmonares nesse estabelecimento. Amostras de alguns animais mortos foram colhidas e testaram positivo para SARS-CoV-2 5. A outra fazenda não tinha vínculo com as empresas anteriormente infectadas. Em 6 de maio, o Serviço de Saúde Animal informou que estavam ocorrendo problemas respiratórios e gastrintestinais e um aumento na perda de animais. Os testes mostraram que os animais foram infectados com SARS-CoV-2. Um dos tratadores apresentou sintomatologia compatível com Covid-19. O número de casos nessas fazendas não foi divulgado 5, mas uma fazenda tinha 1.000 visons e a outra 10.000 animais. Presume-se que a infecção ocorreu de pessoas para visons nos dois estabelecimentos 5.

Como parte do programa de investigação do surto em visons, serão testados gatos, porcos e coelhos da região. Foi também solicitado à Faculdade de Medicina Veterinária da Universidade de Utrecht que elaborasse uma proposta de pesquisa em gatos com a abordagem de Saúde Única, em colaboração com outros grupos de pesquisa ligados ao Centro Holandês de Saúde Única. Espera-se que esse estudo seja iniciado em junho próximo 5.

O relatório preliminar do Ministério da Agricultura, Natureza e Qualidade dos Alimentos da Holanda também informou que o vírus foi detectado na fração de poeira em suspensão nos recintos com visons 17. Embora ainda não esteja claro se esse vírus é infeccioso, isso pode ter resultado em exposição de pessoas ao vírus 6, numa situação similar à encontrada em hospitais humanos com pacientes com Covid-19 19. O vírus não foi detectado nas áreas externas em nenhuma das fazendas. Os resultados das medições por um período maior, bem como os limites de detecção do método, estarão disponíveis nas próximas semanas 17.

Conclusões

Apesar do aparecimento de novos casos em animais, ainda não se têm relatos de transmissão de SARS-CoV-2 de animais domésticos para pessoas. Mesmo nos casos dos visons, onde parece haver transmissão entre os animais, os vírus circulantes nas fazendas não são compatíveis com nenhum dos vírus atualmente em circulação nas pessoas na Holanda. O risco com relação aos visons é que eles se tornem reservatórios para o SARS-CoV-2. Mais tempo e estudos são necessários para se poder avaliar essa possibilidade. Outro fator importante a se considerar é que os ferrets pertencem à mesma família que os visons, e que a estrutura do receptor ACE2 nas duas espécies difere em apenas um nucleotídeo 20. É teoricamente possível que o vírus que hoje circula entre os visons possa mais facilmente infectar ferrets.

A conclusão final do trabalho anterior 1 ainda permanece válida: “Mesmo sabendo que gatos e furões podem infectar animais em condições laboratoriais, não temos nenhuma evidência de que cães, gatos ou furões possam transmitir SARS-CoV2 a outros animais ou a seres humanos fora do laboratório, seja como fonte de fômites ou eliminando o vírus”.

Referências

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